O conceito de liberdade é muitas vezes superestimado e se perde em narrativas e posturas cada vez mais questionáveis e egoístas em relação a tudo o que deveria servir de base, como o caráter, a ética, a moral... Temos uma crença hoje errônea e simplória de que ser livre é poder fazer qualquer coisa, romper com regras sociais e impor nossa vontade sobre a do outro simplesmente por nos entendermos como exceção, como vítima, como minoria, ainda mais, em tempos contemporâneos onde o "não" serve ao outro e não a mim, literalmente!

   Essa crença vem ao encontro da representação cultural pensada e arquitetada para estabelecer, aí sim, aquilo que a liberdade mais abomina, que é a escravidão a nossos vícios e limitações pessoais, juntando-se a outros com o mesmo olhar distorcido de si mesmos, na vã tentativa de fortalecer uma identidade sólida, com cacos ideológicos que servem somente a tapar buracos, mas não complementá-los.

    O que temos hoje é um exercício ininterrupto de um narcisismo desmedido que se encontra perdido numa utopia existencial esvaziada de sentido e de conteúdos que perigosamente seduzem mentes ansiosas de algo que as complete.

    O sentido de nossa existência se dá, num primeiro plano, na contenção, na limitação, na compreensão de uma barreira natural de nossos corpos como aquilo que detém o que há de mais precioso em nós: nossa vida.

    Quando nascemos precisamos imediatamente do outro para se compreender como alguém dentro desse novo mundo fora do ventre materno, a primeira barreira de segurança agora perdida, mas readquirida na proteção de nossos pais, de cuidadores, dando suporte e manutenção à nossa frágil existência. Diante do afeto, do toque, dos cuidados e da proteção junto ao bebê, aprendemos pouco a pouco quem realmente somos, nossa busca de sentido nessa experiência sensorial ainda distante de elucubrações racionais elaboradas. 

    Da mesma forma, uma leitura que se pode fazer sobre o choro de um bebê faminto, ou no grito manifesto de um adulto por sua "liberdade", pode-se ouvir, aí sim, um pedido de atenção intrínseco, ainda que desapercebido, no sentido de aplacar a angústia gerada no desconforto e no sofrimento que a desestrutura causa. 

    Não entendemos que crescemos buscando um limite pessoal que nos permite entender quem realmente somos, voltando para si e para a estruturação de uma identidade sólida que possa suportar o mundo a sua volta sem limitações que necessitem de ilusões criadas para dar falsa sensação de equilíbrio. O limite força-nos a questionar quem somos diante de nós mesmos e dos outros, entendendo que não vivemos isolados, apesar de sermos únicos, e que a liberdade de um termina onde começa a do outro, e vice-versa, criando um equilíbrio possível e tangível nas relações humanas.

    Uma "liberdade" sem limites é girar uma roleta-russa de possibilidades que podem dar muito errado. 

    Entender nosso limite físico e psíquico diante da vida, do outro e do mundo ao nosso redor, faz toda a diferença para a manutenção de uma vida minimamente saudável e equilibrada a todos, sem a necessidade de imposições, sem crenças em "verdades" ludibriosas e, principalmente, sem a diluição pessoal desse ser tão ávido em simplesmente ser.